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Portos, serviço privado regulado

Fonte: Valor Econômico / Wilen Manteli*
 
 
Uma questão precisa ser esclarecida para que o Brasil possa retomar sua trajetória de crescimento, desenvolvendo seu comércio: se a atividade portuária é serviço público ou regulado. Essa definição é crucial para saber se portos do país continuarão sufocados pela burocracia ou se vão se beneficiar do princípio constitucional da livre iniciativa e das regras de mercado.
 
A partir de 1993, a Lei 8.630, democrática e amplamente debatida pela sociedade por mais de três anos, decretou que movimentar contêineres, ou granéis, não mais se configuraria serviço público, mas, sim, como atividade econômica de interesse geral. A partir daquele ano, as administrações portuárias - as Companhias Docas - deixaram de movimentar mercadorias, passando a serem administradoras portuárias. Foi mais uma sinalização de que os serviços portuários deixavam de ter o cunho de públicos.
 
Mas como costuma acontecer na desordem legislativa do país, primeiro se aprovou a lei do setor portuário e, somente oito anos depois foi sancionada a Lei 10.233 que criou a Agência Nacional dos Transportes Aquaviários - Antaq.
 
A lei de 1993 e a Lei 12.815, de 2013, foram fiéis às disposições constitucionais que estabelecem as regras do setor portuário, confirmando que a atividade portuária passou a ser regulada.
 
Para esse entendimento, basta um olhar mais atento ao art. 21, XII, da Constituição Federal, que arrola vários serviços de competência da União. Tais serviços podem ser explorados diretamente pela União, ou mediante autorização, concessão ou permissão. Esse dispositivo constitucional se desdobra, nominando os serviços de competência da União: radiodifusão, energia elétrica, transportes, etc. A alínea "f" do inciso XII do artigo 21 se refere a "portos marítimos, fluviais e lacustres", mas não há qualquer referência a serviço. Também não há menção a serviços portuários ou serviços de movimentação de cargas. A Constituição apenas diz "portos".
 
Pela palavra serviço entende-se uma ação, um exercício de uma atividade humana que atende a uma necessidade, não se tratando de um bem. Já a expressão porto refere-se a uma área terrestre localizada à beira de um canal marítimo, lago ou rio destinada ao atracamento de barcos e navios. Esses terrenos pertencem à União, notadamente os localizados à beira do mar. Segundo a legislação, para instalar um terminal fora da área do porto, o interessado deverá obter uma autorização do Poder Concedente; se estiver dentro da área, é requerida licitação pública.
 
Quem executa os serviços de movimentação de cargas nos portos está definido no artigo 2, inciso XIII, da Lei 12.815, de 2013: a pessoa jurídica pré-qualificada para exercer as atividades de movimentação de passageiros ou movimentação e armazenagem de mercadorias. E a pré-qualificação é efetuada perante a administração do porto (Art. 25 da L. 12.815).
 
Se movimentar cargas fosse serviço público, as empresas interessadas teriam de se submeter ao processo licitatório ou a um concurso público. Conclui-se que público é o imóvel e o serviço, privado.
 
A totalidade das cargas movimentadas nos portos é realizada pelos terminais privados, arrendados, e pelos operadores portuários, também privados.
 
A despeito das dificuldades de acessos aos portos e outros gargalos, os terminais vêm investindo bilhões de reais, ano a ano, para aumentar a sua eficiência e praticar custos competitivos. No entanto, esses esforços são eclipsados pelas ineficiências imputadas ao governo e que gravitam em torno dos portos. E pior, os terminais é que acabam sendo responsabilizados pelas distorções da logística e pelo chamado Custo Brasil. Uma injustiça!
 
O governo precisa resolver com urgência as questões de infraestrutura e destravar mais investimentos nos terminais portuários: desconcentrar a gestão portuária e reduzir a burocracia. Assim, vai elevar a competição na atividade, com resultados positivos para toda a economia. A dinâmica do comércio internacional requer, cada vez mais, águas profundas, qualidade, preços e velocidade nas operações portuárias.
 
Foi para alavancar o desenvolvimento do país e aumentar a participação brasileira nos mercados globalizados que a Constituinte de 1988 estatuiu a ordem econômica fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa (art. 170), assegurando a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, (art. 170, § único).
 
Quem está limitado pela nossa Lei Maior é o Estado. Este só pode atuar de forma direta na área econômica em casos especiais (art. 173) definidos em lei. Ao contrário, o setor privado pode atuar em fazer tudo o que não for proibido pela lei.
 
Ora, não haverá livre iniciativa e nem concorrência se não houver liberdade de preço. As três funções do Estado - fiscalização, incentivo e planejamento -, informadas no artigo 174 da Constituição, não acolhem o tabelamento de preços.
 
Em caso de falhas de mercado, a lei estabelece mecanismos para reprimir o abuso do poder econômico que vise a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros. A competência para julgar essas distorções de mercado cabe ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
 
O enfrentamento da crise econômica que vive o país requer que se olhe para os novos cenários de transformação. Alguns países já avançaram nesse campo e podem nos servir de referência para que sejamos mais competitivos, com nossos produtos, com nossa logística. Esses caminhos passam, inexoravelmente, pela defesa da livre iniciativa, pela livre competição, pela segurança jurídica aos investidores e pelo serviço regulado, não público.
 
*Wilen Manteli, advogado, é diretor-presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários.
 

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